Desaparecendo

Vejo a degradação do meu corpo / ausência do sono profundo / distúrbios decorrentes / do apego ao que não existe mais / vejo algo que insiste / em me fazer acreditar / que o que existe em mim / são consequências daquilo que desejo esquecer / quanto mais me afasto / mais me afundo no martírio / de não saber / quem eu realmente sou / aos poucos vou vendo meus ossos / vou me contraindo / vou sumindo / vou deixando de ser...

[Eu] permaneço

Um círculo vicioso / provo este gosto amargo / lanço meu corpo sob o efeito devastador / da causa da minha queda / levanto mas não me distancio / permaneço na origem / aquilo que me leva e me traz / sempre que estou a mercê do fim / diante novamente do caos / o espelho rachado transforma-se em pedaços / uma gota é o início da água ou do vinho? / então provo mais uma vez / uma miséria rica dem detalhes / deixe-me, deixe-me aqui / subitamente questiono a cor da ausência que reside / a dor que resiste / onde eu permaneço.

O retorno

Encontrei forças / ainda que não o suficiente / tenho medo do que está por vir / as coisas estão mudando novamente / o que eu mais temia / passa diante dos meus olhos / enfrentarei tudo outra vez? / o abismo olha dentro de mim / esperando ansiosamente minha queda / DEUS, serei forte o bastante? / Senhor, às vezes penso que sou sua cobaia favorita / quando penso que estou livre / ela retorna / levando-me ao início / ao meu inferno / retorno ao caos.

A queda

Sobreposição de sentimentos / indagações contínuas / o que existe além da dor? / altruísmo longínquo / perda da sensibilidade / o que sou além de ser frio? / encaro os fatos / mas ainda questiono seus efeitos / não subestimo a queda / me conforta saber que não sou o único.

Dentro do nada

As últimas palavras...as primeiras que escuto ao amanhecer / ditas e repetidas sem tréguas / ganhando força à medida que me distancio da inércia / não importa se vou ou se fico / as paredes me sufocam / a suavidade do branco / em contraste com a agonia / de estar diante do vazio / uma janela ao fim de alguns passos / uma esperança, aparente / ofuscada pela ausência / daquilo que pode ser visto / mas não pode ser tocado / a claridade dos fatos me joga na realidade / debruçado em meus pensamentos / permaneço sob o silêncio / quando fecho meus olhos / mesmo diante dos vivos / ainda caminho sem vida / dentro do nada.

Submerso

Já faz um tempo que estou aqui / abaixo do nível da racionalidade / razo apenas são os períodos de conforto / preciso respirar / uma segurança superficial / a profundidade do que sou em conflito / estado de inércia diante da questão / afundo cada vez mais em minhas indagações / questiono imagens e palavras / uma dependência ou algo além? / tento me convencer a aceitar / entender o que se passa em outra superfície / acredito na essência / pois sinto / aquilo que me trouxe até aqui / me levará de volta mais uma vez.

Danos

Sinto como se fosse ontem / me alimento daqueles dias / a intensidade do hoje causa danos / consequência da acidez que corroe todos os mandamentos / todos os princípios / a sobrecarga do agora amedronta / interfere / me transforma / me aprisiona / então, quando o peso do fardo aumenta, é sinal que está no fim?

Seco

Limpo meus olhos / não quero matar a sede deste solo / aos poucos vou sendo erguido / alguém me chama lá em cima / sinto o calor em meu rosto / a umidade parece distanciar-se / limpo minhas feridas / sangrarei novamente, eu sei / mas não aqui / não agora / então aos poucos absorvo a queda / alguém soprou uma esperança.

Martírio

De que adianta as lembranças / se não poderei dividi-las / se sou levado sempre à força / ao lugar onde não poderei mais estar / de que adianta as lembranças / se não consigo sorrir / se sou levado sempre à força / ao lugar onde não deixarei mais o meu amor / carrego o peso dos dias / sabendo que o pior ainda me espera / quando me deito e encaro a longa e tenebrosa madrugada.

Um pouco de solidão

Permaneci um tempo / onde eu gostaria de ter ficado um pouco mais / poderia ter cultivado o silêncio / só em pensamentos / ausente, talvez / permaneci um tempo / onde acabei por viver demais / a vida daqueles que necessitavam / de um pouco de solidão.

O falso paraíso

Então encontramos / aquilo que consideramos ser / por um breve momento / nosso pequeno paraíso / nos enganamos ao acreditármos / ingenuamente / que mesmo neste lugar / não existam surpresas / não existam mudanças / nos enganamos em não acreditármos / que ao nascer do sol / ou no cair de uma noite fria / poderemos estar sozinhos / outra vez.

Ok

Sempre me pego pensando / e sempre será assim / nas palavras que eu deveria ter dito / em diversos momentos cruciais / a vida passa mas existem sons e texturas / que não desaparecem jamais / tornam-se referência / segredos / que nos aprisionam / que nos libertam / nós perdemos tempo demais / despejando palavras inoportunas / consumidos por sentimentos momentâneos / e então, ao amanhecer / nos damos conta que poderíamos ter evitado tanta coisa / dizendo simplesmente / ok.

A ilha

Acho que estou seguro aqui / distante de tudo e de todos / não vejo ninguém além / vejo apenas aquilo que desejo ver / acho que encontrei conforto aqui / uma oportunidade para recomeçar / não sinto ninguém além / sinto apenas aquilo que desejo sentir / uma paz que não existia / não acreditava depois de tudo / que um belo dia / a encontraria.

Fantasmas

A cada passo / uma imagem / o passado caminhando lado a lado / sem trégua / nem piedade / abrindo minhas feridas / meus sentimentos mais profundos / grandes decepções / diante dos meus olhos / me vejo chorando / sozinho / encolhido num canto escuro / ao som de uma grande tempestade / então começo a correr / não consigo chegar a lugar nenhum / perdido em tantas amarguras / DEUS, me tire deste corredor de lembranças / preciso recuperar minha auto-estima / eu quero que alguém se importe / eu quero me importar com alguém / então me diga Senhor, como destruir aquilo que vive dentro de você?

A janela

Inerte / diante dos meus olhos / a simplificação do passado / a representação do presente / a perspectiva do futuro / não há nada / apenas a mesma imagem / dia após dia / o mesmo dia / sempre / nada sai do lugar / se é para ser assim, que assim seja / eu me coloquei aqui / não há desespero / nem lágrimas / esta é a realidade / a verdade, nada além / já é tarde demais / hora de fechar a cortina e apagar a luz / amanhã é um outro dia.

Manchas

Enquanto me pergunto porque as coisas são assim / enquanto tento encontrar respostas / o sol continua a se pôr / as estações continuam mudando / e eu continuo a envelhecer / enquanto tento esquecer as cicatrizes do tempo / enquanto tento recuperar o amor / as crianças continuam crescendo / o mundo continua sua rota / e eu continuo a envelhecer / se eu pudesse voltar / naquele dia apenas / eu apagaria as manchas / que enferrujam e tomam conta do meu coração.

Velhos sonhos [enterrados]

Onde estão meus sonhos? / aqueles que cresceram comigo / que me fizeram dormir com um sorriso no rosto / com um gosto especial / uma ambição / um desejo / na vida / no coração / velhos sonhos que me fizeram acordar / numa manhã qualquer / olhar no espelho sem chorar / agora tudo está em cinzas e escombros / enterrado no tempo / agora, eu tento encontrar / um novo caminho / um novo sentido / me reconstruir / convivendo e aprendendo / com os erros que me fizeram ser o que sou / agora / mas não para sempre.

Enquanto você morre

Enquanto você se desfaz / ainda me pergunto se isso faz algum sentido / percebo que estou dizendo adeus / muito antes de começar a chorar / não é de hoje / cultivo o hábito de me esconder / vou evitando / medindo palavras / desviando o olhar / pois enquanto você morre / dentro de mim / pela janela, eu vejo o entardecer.

O passageiro

Diante desta multidão / me sinto pequeno / sozinho / vulnerável / a dor consome meus desejos mais profundos / aqueles guardados a sete chaves / os únicos que ainda mantêm acesa / a chama interior / meus pensamentos não fazem sentido / estou andando em círculos / onde realmente estou? / a cada dia mais distante / perdido entre dois mundos / criando alternativas sem fundamento / onde está a razão disso tudo? / de olhos fechados / eu sinto a brisa tocar minha pele fria e pálida / tento esboçar um sorriso / mas se perdeu no tempo / não sei bem onde / nem quando / sinto que está na hora de mergulhar nas profundezas do meu interior / deixar minhas lamentações aqui / e tentar / e tentar / e tentar / encontrar uma razão / uma única razão / para alimentar meu desejo de viver / e eu sei / eu sei que ela existe.

O grande medo

Então me vejo diante daquilo que jamais imaginei / surpreendido, vou ao chão / com as mãos ao rosto / me manifesto silenciosamente / fecho meus olhos / por alguns segundos / me dou conta de que é real / estarei a mercê do meu grande temor? / meu maior medo / relutei em dizer / a mim mesmo / que a hora chegou.

3x4

O crucifixo na parede / uma imagem desfocada ao amanhecer / a última antes de adormecer / DEUS está aqui, apesar de ter me colocado neste 3x4 / pequeno, porém revelador / como a foto nos documentos / num pequeno espaço / vemos o quanto somos imperfeitos / solitários / faço minha oração / levanto lentamente / o corpo pede que seja assim / dobro as roupas / como de costume / força do hábito a dois / por mais que ninguém entre aqui / isso já há alguns anos / sinto-me obrigado a fazer / dizem que sou metódico / talvez seja hereditário / e o que há de errado nisso? / a mesinha de madeira para o café / o morador anterior não perdeu tempo em levá-la / lembro-me da mesa farta / lembro-me de meus pais / estou atrasado / em pensamentos, perco a hora / casaco, chaves, guarda-chuva / se o dia for misericordioso / voltarei cedo.

Os dias mais longos

Uma conversa sem muitas palavras / perguntas curtas / respostas monossilábicas / longos intervalos de silêncio / aquele dia ainda perdura / entranhado / em todo e qualquer ato meu / um hiato se fez necessário / amenizar os estragos / reunir pedaços / aquele olhar vazio permanece / entre os restos que habitam / meus pensamentos / meu fim / meu início / meus dias mais longos.

Veias abertas

Entre os tijolos deste inferno instalado / o que foi construído, agora destruído / entre os escombros do que um dia foi vida / o silêncio dos esquecidos / em cada esquina / o presente que o passado nos deu / roubado e negligenciado / a cidade cresce mas apodrece / na mesma velocidade / na mesma intensidade.

A cruz invisível

E se fez a a cruz / banhada em sangue inocente / o invisível projetado / deste solo não passarás / aos olhos do outro, nada além / aos olhos daquele que acredita, a salvação / na oração, a vontade de partir / de joelhos, as mãos aos céus / diante do concreto, suas súplicas / eis que o sofredor vê o divino / assim se fez a cruz.

Sibéria

Querem me vencer pelo cansaço / apunhalado / esperam a minha rendição / isolado / jogado as traças / limpando sujeira alheia / na defensiva, levo adiante / não quero dar a eles o gosto da vitória / quase desistindo, engulo meu orgulho / por mais um dia / quero ir além / preciso ir além / lentamente as horas passam / sinto-me insignificante / distante / a mercê daqueles que me fizeram acreditar / este ser inerte / que hoje reside em expectativas / não sou eu.

Cinza

Uma longa noite / olhos vermelhos / rosto riscado / atrasado mais uma vez / o espelho diz / o dia não vai ser bom / roupa amassada / botas com lama da jornada anterior / o céu ainda escuro / chuva anunciada / uma xícara de café / duas / três / vício matutino / aquele que me mantêm de pé / o mundo lá fora me espera / crianças, buzinas, caos / sigo em frente / que DEUS esteja comigo / da janela vejo que ainda estou melhor do que muitos / esboço lágrimas / mordo os lábios / fecho os olhos / por alguns segundos / me perco no tempo / mais tarde voltarei / por este mesmo caminho / e o meu conforto é saber / que apesar de tudo / não estou sozinho.